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Ritual kanga pewa: do nascimento das crianças e da deformação da cabeça


Durante a gravidez, a gestante era acompanhada pela parteira, que fazia todo mês uma apalpação para saber se a criança, dentro da barriga, estava acomodada de forma correta. A parteira, observando semanalmente o crescimento da barriga da grávida, tinha uma noção se a criança era menina ou menino, pela forma do crescimento da mesma. Nas primeiras dores, a parteira sovava a barriga com óleo de arraia e oferecia para a mãe, que esperava o nascimento do bebê, um chá feito de folhas de algodão com pingos de óleo de arraia, para a mesma ter noção de que horas a criança iria nascer.


Após tomar o chá, a gravida sentia contrações, uma ou duas. Conforme as dores a parteira sabia a hora que o bebê ia nascer. No parto, a mãe que estava próxima a dar a luz, com orientação da parteira, era orientada a sentar num banco pequeno, apropriado para a ocasião do parto. Era aconselhada a segurar num pedaço de madeira, amarrada numa corda do fio tucum, segurada no caibro ou na cumeeira da casa, entrelaçada bem forte para não soltar. Desse modo, esperava a dor para fazer força para o nascimento. A mãe era acompanhada a todo instante pela parteira, a qual seria a primeira madrinha de água do bebê.


Ao nascer o pequeno bebê, sua chegada era anunciada pelo pai através de um rojão de tiro, chamado de roqueira, para toda a aldeia saber que havia nascido uma criança. Antes do corte da placenta, a parteira lhe dava o primeiro contato com a água, banhando o pequeno com ervas de cheiro para não pegar mal olhado e quebrante. Em seguida, o bebê era envolvido em um manto feito de algodão tecido, a parteira pegava um pedaço do fio de algodão torcido e amarrava o cordão umbilical depois de cortado. O corte do umbigo era curado com óleo medicinal da copaíba, para não infeccionar. Quando o umbigo sarava, o pedacinho que caía, depois de três dias, era amarrado na cumeeira da casa, para que o bebê não adoecesse.


Logo após o corte do umbigo, começava o ritual de deformação da cabeça das crianças, chamado de Kanga Pewa, que significa "cabeça chata". No ritual, chegava um grupo de anciões de mulheres e homens, que saiam de suas Ukas "casas" ao ouvirem o barulho do tiro feito pelo pai. Esses vinham dançando a dança do urubu chem chem, até chegar na casa do bebê. Apenas estes podiam se aproximar do pequenino nenê, vinham para a escolha do padrinho do Kanga Pewa, tomando pajuaru, anunciando o mijo ou urina do nenê. Após a dança era feita a escolha do padrinho que faria o ritual. O escolhido começava a prensar a cabeça do recém-nascido com uns pedacinhos de bambu de bambu embrulhado com algodão, feito uma pranchinha, para não ferir a pele do bebê. Com ajuda dos demais que se faziam presentes, em seguida, após terminar o ritual, o padrinho colocava o bebê num berço feito de madeira, uma canoa pequena dentro do reservado, juntamente com sua mãe. Terminando o ato, todos iam embora dançando da mesma forma que chegaram.


Iniciava, assim, o resguardo do parto da mãe, que durava quarenta dias dentro do mosqueteiro. Após o ritual, o bebê não podia mais ser visto por ninguém antes de completar sete dias de vida, podendo ser visto somente pelos padrinhos. Durante esses sete dias, todos os visitantes, após essa data, para ver a criança recém-nacida, tinha que levar dois pedaços de madeira pintada com figuras de animais. Ao chegar, batia com os pauzinhos em cima da criança, fazendo ruído, falando uns dizeres de bem para poder agradá-la e, assim, espantar os maus espíritos. Também, durante as visitas, traziam como presentes machadinhas de barro e madeira, flecha e arcos, entre outros. Conforme as atividades que estes praticavam, esses presentes eram usados também para curar a criança nova.


Devido à crença dos mesmos, quem não fizesse isto ao sair, o espírito do menor podia sair de seu corpo e o mesmo poderia ficar desprotegido e sentiria moléstia. Se o visitante tivesse viso cobra, ele deveria um pau com figura de cobra para que o bebê não sentisse espremeduras. Também era de costume da família fazer pacto com os animais para a criança no futuro ser bom caçador.


Depois de meses, esse material era removido, ficando a criança com a cabeça deformada, achatada. Ressaltamos que esse é considerado como o principal ritual, também chamado de Kanata Kanã, isto é, a “luz” devido a considerarem um nascimento como a espera da luz.


Durante o crescimento da criança, se ela ficasse doente, era banhada debaixo de uma atura “paneiro” pelo pajé, para que a criança ficasse curada. Segundo a cultura, esse paneiro velho, já utilizado, trazia consigo grande sabedoria e forças da natureza, que guardariam o corpo da criança, pois são considerados espíritos de pajés.


Após a remoção da pranchinha, o povo fazia a festa “Murasai”, para comemorar o sucesso do achatamento. As músicas eram cantadas pelos idosos na língua materna Kambeba, que é a língua desse povo. Os instrumentos musicais usados em seus rituais são tamborím, maracá e flauta feita de bambu e sementes. Todos, nessa cultura, praticam a dança, idosos, jovens e crianças.


(Capítulo do livro: Fermin, Eronilde de Souza. 2020. Mumuri kwe awauawa kãnga pewa Aparia' zaú Surimã tawã y - Memórias Vivas do Povo Omágua (Kambeba) de Aparia Grande do Solimões de São Paulo de Olivença. São Luis: UEMA/PPGCSPA.)


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